quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O direito de o JB inscrever-se na OAB*

(*Dedico estas reflexões a todos meus amigos advogados
apaixonados pela arte da defesa)

O pedido de inscrição de Joaquim Barbosa na OAB sofreu impugnação. O impugnante sustentou que JB não tem “idoneidade moral”, requisito exigido pelo art. 8º, VI, da Lei 8.906/94, Estatuto da advocacia (a íntegra da impugnação aqui).

A Impugnação elenca as várias vezes em que JB desrespeitou advogados e a advocacia. Foram quatro acusações verbais, uma por escrito e uma expulsão de advogado do plenário quando no exercício de sua profissão.

Com relação aos fatos narrados (e me aterei somente a eles e não a outros que foram veiculados pela imprensa, como a abertura de empresa nos EUA por JB, ao arrepio da Lei Orgânica da Magistratura, para comprar imóvel), não há dúvida sobre a veracidade deles. Acredito que são, de fato, reprováveis e lamentáveis, especialmente quando atentaram contra a independência da advocacia garantida pela Constituição. Esses fatos compuseram um capítulo sombrio da história do STF que, infelizmente, contou com os aplausos de muitos.

No entanto, a pergunta crucial é se tais condutas apontadas na impugnação representaram a violação à moral. Acredito que não. As condutas relatadas revelam mais o desequilíbrio emocional, arrogância e atitude incompatível com o espírito democrático do que propriamente um comportamento imoral.

De qualquer forma, a indeterminação deste conceito jurídico (“idoneidade moral”) impõe no caso concreto certo espaço para a dúvida, no mínimo.

E, como se sabe, a lógica para rejeitar a inscrição é nitidamente sancionatória, de modo que se deve aplicar ao caso a racionalidade penal que exige a legalidade estrita. Isso quer dizer que não basta suspeitar do enquadramento da conduta à norma sancionadora, mas há que não restar dúvida alguma. Trata-se, em última instância, da aplicação do antigo brocardo jurídico que diz que, na dúvida, deve-se decidir em favor do réu.

O procedimento administrativo da impugnação seguirá nos termos de um processo administrativo disciplinar dentro da OAB, tal qual determina o § 3º do referido art. 8º. A inscrição será negada somente se dois terços dos votos do respectivo conselho considerar procedente a impugnação.

Torço para que o ex-Ministro encontre pela frente, tanto no âmbito administrativo ou mesmo no judicial, julgadores equilibrados que não sejam reféns do espírito vingativo, de vaidades ou interesses pessoais, e que tratem o princípio in dubio pro reo com a cautela e a responsabilidade que o Estado democrático de Direito exige.

Entretanto, se se deparar com algum “Joaquim Barbosa dos tempos do mensalão” terá sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil irremediavelmente negada. Terá a experiência viva de provar do próprio veneno.

Um comentário:

douglas da mata disse...

Novamente discordamos.

Se a norma sancionatória possibilita uma adequação fática movida por um juízo subjetivo, ou seja, idoneidade moral, o que é, per si, extremamente volátil e de difícil aquilatção, então mudemos a norma.

* Pequeno comentário:

Há em nosso estamento jurídico tantas outras que permitem tais "manipulações", como o próprio conceito de ordem pública consagrado no artigo 312 do CPP, por exemplo. Mas como as principais "vítimas" das "interpretações" são os de sempre (pretos e pobres), enquanto bons advogados sempre revogam tais ordens de segregação, tudo continua como antes...

Mas enquanto ela (a norma sancionatória) perdurar, não afastemos nosso dever de utilizá-la quando preciso, e esse é o caso.

Idoneidade moral ou retidão moral não é somente uma conduta inapropriada em público, do ponto de vista do comportamento mais privado, como exagerar na bebida, locupletar-se de sua condição para obter pequenas vantagens (aliás, como faz o ex-magistrado ao permanecer em imóvel funcional que não poderia mais ocupar). É conceito que pode obter um olhar mais amplo.

Nesse caso, imoral é a conduta (cínica) do JB em pretender ingressar em ambiente profissional que achincalhou quando chefe supremo de um Poder vinculado ao exercício dessa profissão.

Inédita e corajosa a atitude da seção da OAB que rejeitou o pedido de inscrição.

Bom debate, como sempre...