sábado, 29 de maio de 2010

A disponibilização dos dados da receita e o Decreto 7.185/10: as informações sobre a "previsão".

1. Sobre o Decreto Federal que fixa parâmetro de atuação para todos os entes federados, há que se analisar se não viola o princípio da autonomia dos referidos entes federados, que é um dos fundamentos do pacto federativo. Logo, a União não tem o poder de determinar o padrão de atuação administrativa dos demais entes federados por causa da referida autonomia. A competência normativa da União deve restringir-se à produção das normas gerais. E a regulamentação tem essa característica? A resposta à questão é complexa, porque envolve a análise da natureza da LC 131/09 e sua regulamentação. Enfrentaremos o tema em outro momento. Agora, partiremos da ideia da constitucionalidade do Decreto 7.185/10.
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2. O Decreto dispõe, relativamente às receitas, o seguinte:
Art. 7º Sem prejuízo dos direitos e garantias individuais constitucionalmente estabelecidos, o SISTEMA deverá gerar, para disponibilização em meio eletrônico que possibilite amplo acesso público, pelo menos, as seguintes informações relativas aos atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução orçamentária e financeira:
I - ... ...
II - quanto à receita, os valores de todas as receitas da unidade gestora, compreendendo no mínimo sua natureza, relativas a:
a) previsão;
b) lançamento, quando for o caso; e
c) arrecadação, inclusive referente a recursos extraordinários
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3. A receita pública possui, na verdade, quatro etapas: previsão, lançamento, arrecadação e recolhimento. Vamos meditar sobre a previsão. A previsão é a estimativa orçamentária que pode ser plurianual (art. 23 a 26, da Lei 4.320/64) ou anual (art. 27 a 31, da Lei 4.320/64). Trata-se da previsão da ocorrência de fatos que implicarão ingresso de recursos. Quanto à disponibilização para o cidadão, crê-se que se trata das informações relativas à previsão anual. É certo que a previsão possuía grande importância antes da atual Carta da República, onde o princípio da anualidade ainda compunha a principiologia tributária. Hoje, não mais se exige a previsão orçamentária para se criar um tributo, mas apenas a previsão legal (principio da anterioridade).
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4. O que se pretende com a disponibilização dessa informação é constatar se a previsão orçamentária está sendo realizada concretamente. Aqui surge um problema: a previsão das receitas se dá por natureza para a qual é atribuída um montante que se estima que será arrecadado. Por exemplo, faz-se a previsão de arrecadar um certo montante de IPTU. Quando a receita for realizada, haverá vários ingressos que, somados, poderão satisfazer a previsão, de modo que informar a previsão juntamente com cada ingresso pouca valia tem. (Relembre-se que os ingressos serão informados diária e individualmente). Ao contrário, a previsão geral junto com os ingressos individuais poderá engendrar confusão, pois ter-se-á o valor correspondente ao ingresso ao lado do total da previsão, sem qualquer nexo lógico entre eles. O que talvez possa solucionar a questão é, junto da previsão, disponibilizar o valor que ainda falta para atingi-la a cada nova informação de ingresso de recurso. Assim, a cada ingresso individual informado, o saldo se incrementa e se aproxima do total previsto para aquela espécie de receita.
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É só para o momento. Seguimos com as reflexões sobre a LC 131/09.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A LC 131/09 já deve ser cumprida a partir de hoje. Lauro de Freitas (BA) já está cumprindo.

1. A partir de hoje - 28.05.2010 - o previsto nos artigos 48 e 48-A da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/09) com a redação que lhes deu a LC 131/09, deve ser cumprido pela União, pelos Estados e pelos municípios de mais de 100.000 habitantes.

2. O portal da transparência do nosso município ainda não se adequou aos ditames da LC 131/09. A consequência é que poderá deixar de receber, a partir de agora, recursos decorrentes de transefências voluntárias (art. 73-C, da LC 101/00, com redação dada pela LC 131/09). Mas há sanções de outra ordem também, o que se comentará posteriormente.

3. Vale conferir o sítio do Município de LAURO DE FREITAS (BA) que já está cumprindo a LC 131/09. O sistema foi desenvolvido pela Associação Transparência Municipal - ATM mediante parceria com o Município. O trabalho é de alta qualidade. Além do mais, é sério, porque facilita o entendimento do cidadão. Peço notar um detalhe: ao lado de cada registro de despesa ou receita há a possibilidade do cidadão comentar e, então, exercer a sua cidadania. Parabéns à Prefeita Moema Gramacho e à equipe da ATM.

ATENÇÃO! Decreto 7.185/2010. Regulamenta o "sistema integrado"

Saiu ontem o Decreto Federal nº 7.185/2010, que regulamenta o "sistema integrado" previsto pelo art. 48, III, da LC 101, cuja redação foi dada pela LC 131/09.

LC 131: o leitor Vinícius Pontes pergunta sobre a "maquiagem" dos dados disponibilizados

O leitor Vinícius Pontes, faz o seguinte questionamento sobre a LC 131/09:
Professor, o sr. acha que haverá a necessidade de um orgão especifico fazer a fiscalização desses sites? pois apesar de estarem prestando informações, os mesmos podem maquiá-los, a fim de esconder uma ilicitude!
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Prezado Vinícius, a LC 131/09 nasceu para possibilitar o controle social, para que o cidadão possa conhecer e, por via de consequência, controlar a Administração Pública. Portanto, o destinatário principal dessa disponibilização é o cidadão e não qualquer outro órgão oficial. No entanto, os órgãos controladores estatais e institucionais certamente se valerão desse instrumento para realizar as suas atribuições de controle. Tanto a ausência de disponibilização quanto a disponibilização incorreta ("maquiagem") poderão resultar em sanções jurídicas severas (crime, crime de responsabilidade, ato de improbidade, nulidade).
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Acrescento que o cidadão poderá verificar se se trata de dado falso ou não. Para tanto, basta exercer o seu direito de petição ou de obtenção de certidão (art. 5º, XXXIV, CF) junto ao poder público para averiguar a procedência da despesa ou receita mediante exame do documento que lhe deu amparo.
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Abraços

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Quem declara o descumprimento da LC 131/09?

O leitor Antonio Serralha propõe a seguinte indagação:
no caso de repasses da união e dos Estados, aos Municípios, para que não ocorra interpretações equivocadas sobre o atendimento ou não, pelos Municípios, para a interrupção das transferências voluntárias, a quem compete definir se houve ou não o atendimento da Lei?
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Prezado Antonio, do ponto de vista prático, o ente repassador deverá, antes de efetivar o repasse, verificar se o convenente está disponibilizando os seus dados na internet como determina a LC 131/09. Creio que se trata de um dever de quem irá promover o repasse. Assim, em caso descumprimento da LC 131/09, o ente repassador deverá suspender o repasse, sob pena de estar, também, incorrendo em ato ilícito. A Lei não definiu um ente ou órgão detentor de competência para declarar se a Lei foi ou não cumprida. Não acredito, pelo menos até o momento, que seja aplicável o art. 31, § 4º, da LRF, por analogia, que confere competência ao Ministério da Fazenda para publicar a relação dos entes descumpridores dos limites de endividamento, cuja sanção é a mesma do descumprimento da LC 131/09 (Vide art. 73-C, LRF). Considere-se, entretanto, que, se houver discordância relativamente ao cumprimento da LC 131/09, caberá o ente que teve o seu repasse suspenso reclamar administrativa ou judicialmente o seu direito de recebê-lo.
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De outro lado, poderá o próprio Tribunal de Contas, detectando o descumprimento da LC 131/09 assinalar prazo para a regularização da disponibilização dos dados na internet (art. 71, IX, CF) e, até mesmo, oficar oficiar ao ente repassador para suspender o repasse (art. 71, X, CF). Do mesmo modo, poderá o Ministério Público ingressar em juízo buscando a responsabilização dos administradores públicos pelo descumprimento da LC 131/09, momento em que poderá obter uma tutela liminar em que se suspenda o repasse até a regularização da situação.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Agradecendo e repensando a LC 131/09

Caros leitores,

1. Inicialmente, gostaria de agraceder aqueles pessoas que vêm acompanhando o trabalho aqui desenvolvido. Tenho recebido muitas mensagens, especialmente após as diversas postagens sobre a LC 131/09, e tenho procurado respondê-las na medida do possível.
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2. Estou concluindo um estudo mais aprofundado sobre a LC 131/09, mas que, ainda assim, não esgotará o tema. De toda sorte, o texto, juntamente com outros estudos de Direito Administrativo Informático, deverá ser publicado em livro brevemente. Haverá ampla divulgação por meio deste espaço.
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3. Em razão disso, várias das posições aqui manifestadas estão passando por autocríticas e revisões. Por exemplo, acerca da responsabilidade pela disponibilização dos dados nos sítios eletrônicos, disse (veja aqui) que os dirigentes das entidades da Administração Pública indireta se responsabilizariam pela utilização do "sistema integrado", mas a responsabilidade pela disponibilização seria do Chefe do Executivo. A solução dada por mim naquela postagem colocou o Chefe do Executivo sob uma responsabilidade que, pensando melhor, não pode ser extraída da ordem jurídica. O Chefe do Executivo não poderá ser responsável pela omissão da informação de um contrato de uma autarquia. Assim, alterei o pensamento para o seguinte:

4. A LC 131 exige que se disponibilizem determinadas informações de todos os núcleos de poder que detêm capacidade jurídica para realizar atos de despesa e receita em cada entidade das Administrações Públicas diretas e indiretas da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Visto o conceito de ente federado e unidade gestora, pode-se sintetizar:
a) O chefe do Poder Executivo, como responsável superior da Administração Pública, terá o dever de disponibilizar os dados das unidades gestoras de sua Administração Pública direta.
b) Os chefes das Administrações Públicas diretas tanto do Poder Legislativo (art. 2º, CF) quanto do Judiciário (art. 2º e art. 99, CF) deverão, do mesmo modo, disponibilizar os dados de suas respectivas unidades gestoras.
c) Os dirigentes das entidades das Administrações Públicas indiretas deverão se responsabilizar pela disponibilização das informações exigidas pela LC 131/09 das unidades gestoras de suas respectivas entidades.
d) No âmbito institucional da República do Brasil, os procuradores gerais de justiça (art. 127, § 2º, CF), os defensores gerais (art. 134, § 2º, CF) e os presidentes dos Tribunais de Contas (art. 73 e 75, CF), que são as autoridades máximas de suas Administrações Públicas, são os responsáveis pela divulgação das informações de suas unidades gestoras.
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5. O dito "sistema integrado" será gerenciado pela Administração Pública direta, como se pode deduzir da LC. A sua utilização pelos dirigentes das entidades das Administração Indireta, com a inserção de dados, não terá o condão de afastar o dever destes últimos de disponibilizar, cada um, os seus próprios dados/informações. Portanto, cada Chefe de Administração Pública será responsável pela omissão ou disponibilização irregular das informações de suas unidades gestoras.
p.s.: republicado em razão de revisão e correção.