domingo, 20 de junho de 2010

LC 131/09: o tempo real e o processo administrativo eletrônico

1. Relembro inicialmente que a LC estabeleceu que as informações pormenorizadas da execução orçamentária e financeira devem ser disponibilizadas em tempo real (art. 48, II). A regulamentação feita pelo Decreto 7.185/2010 estabeleceu que “tempo real” significa a disponibilização das informações até o dia seguinte ao do registro contábil do evento (art. 2º, § 2º, II).
.
2. Acredito que a expressão “tempo real” prevista na Lei deve ser interpretada da seguinte forma: as informações dos atos de receitas e despesas devem ser disponibilizadas no exato instante em que os próprios atos são realizados. Exemplo: realizou uma licitação ou firmou um contrato no próprio sistema informático, a informação já se encontraria disponibilizada automaticamente pelo sistema. Esse é o espírito da LC 131/09. Mas o Decreto 7.185/2010 conferiu outra interpretação, como já se anotou.
.
3. Decerto que levar a cabo a nossa interpretação (e não a dada pelo Decreto em questão) exigiria que os atos de receita e despesa fossem realizados também por sistema informático. Explicando melhor: o sistema informático que disponibilizaria tais informações deveria ser exatamente o mesmo sistema em que o gestor público iria produzir o próprio ato ou pelo menos que fossem sistemas interligados.
.
4. Resulta disso que haveria a necessidade de já estar instituído o processo administrativo eletrônico, para que os atos (e não somente as informações a eles referentes) fossem puramente eletrônicos, sem a necessidade de uma versão cartácea. Mas isso ainda não é possível, hoje, por duas razões básicas:
A) não há, ainda, uma disciplina do processo administrativo eletrônico. É preciso insistir, como já fizemos anteriormente neste espaço: a existência de atos administrativos eletrônicos legítimos – e, por consequência, de processo administrativo eletrônico ou digital – só será viável a partir do momento em que tivermos uma disciplina jurídica clara sobre o assunto, tal como nos ensina acertadamente o jurista italiano Giovanni Duni, professor titular da Universidade de Estudos de Clagliari, na Sardenha, que há muito se dedica ao tema. A Medida Provisória (MP 2.200/01) que regula a validade dos atos jurídicos eletrônicos é insuficiente. Registre-se que, em 2006, a Itália instituiu o seu Codice dell´Amministrazione Digitale, que disciplinou a matéria, mas ainda de modo tímido no que toca ao aspecto procedimental.
B) A outra razão é o fato de que, ainda, não há a infraestrutura técnica e administrativa necessária em muitas Administrações Públicas brasileiras para a adoção do processo administrativo eletrônico. E, pelo que se nota, não se constata medidas concretas e efetivas para a instituição de uma verdadeira Administração Pública informatizada, o que, em nosso sentir, viola o princípio da eficiência e da economicidade. O que se vê hoje é a proliferação da teleburótica que é a utilização da informática como um sistema paralelo e de apoio ao original.
.
5. Desse modo, o Poder Executivo, em vez de buscar desde já a viabilização para a implantação de uma Administração Pública Digital com a instituição do processo administrativo eletrônico, preferiu interpretar a expressão “tempo real” valendo-se do critério hermenêutico histórico-elolutivo como o decisivo, que traça o alcance do texto normativo de acordo com as circunstâncias históricas que se apresentam. No caso, abandonou a intepretação finalística e diretiva. Por isso, ante a ausência dos citados fatores, todos os dados dos registros de receita e despesa realizados no dia são compilados, sistematizados e disponibilizados no dia seguinte para ao pleno conhecimento dos cidadãos.

terça-feira, 15 de junho de 2010

LC 131/09: as informações dos atos de gestão patrimonial devem ser disponibilizadas?

1. A reflexão que vinha fazendo sobre a LC 131/09 teve início bem antes da sua regulamentação, que se deu com o Decreto federal 7.185/2010. Vinha tratando a LC 131/09 como uma forma radical de ampliar os contornos do regime da publicidade de todas as atividades da Administração Pública, ressalvadas somente as exceções constitucionais. Assim, cheguei a me manifestar, em palestras sobre o tema durante o período de vacância desta Lei, no sentido de que todos os registros contábeis, inclusive aqueles voltados a consignar os fatos administrativos como a depreciação patrimonial, deveriam ter suas informações disponibilizadas. Tudo pautado no espírito da LRF, que possui um capítulo próprio para a Gestão Patrimonial, e especialmente no escopo da LC 131/09 que promoveu modificações naquela.
.
2. Todavia, a regulamentação chamou a atenção para alguns aspectos da Lei que merecem ser meditados mais detidamente, dentro dos quais se pode citar o alcance da conjugação de duas expressões contidas na Lei: “informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira” (art. 48, p.u., II) e “todos os atos praticados (...) no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização” (art. 48-A, I).
.
3. Da conjugação das duas expressões constata-se que a Lei determina a disponibilização de todos os atos praticados no decorrer da execução orçamentária e financeira. Em sentido estrito, a execução nesses dois âmbitos não se confunde com a patrimonial (gestão de bens, preservação do patrimônio público, disponibilidades de caixa) e a operacional (eficiência, eficácia e efetividade das políticas públicas).
.
4. Logo, do ponto de vista literal e estrito, os registros contábeis relativos à gestão patrimonial estariam fora do alcance da LC 131/09. Ou será que a principiologia do novo regime da transparência terá o condão incluir tais dados que, a bem da verdade, são muito importantes para o controle social da Administração Pública? Continuaremos a refletir sobre esta indagação.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Há registro contábil correspondente à liquidação da despesa no Estado do Rio de Janeiro

1. Como comentei na última postagem, faltava um axílio dos contadores públicos para sabermos quando deverá ser disponibilizada a informação da liquidação da despesa. Havia dito anteriormente - com ressalva, é claro - que acreditava não haver um registro contábil para liquidação da despesa (relembre-se que a liquidação é a fase da execução da despesa em que se verifica a procedência do crédito, o credor, a quantia exata, entre outros dados). Entretanto, no Estado do Rio de Janeiro, que utiliza o sistema SIAFEM, é feito um registro contábil para a liquidação da desepesa, que, a rigor, não é nem orçamentário, nem financeiro.
.
2. A partir de maio ou abril do corrente (estou ainda pesquisando o documento normativo com a alteração para melhor precisar esta informação) passou a existir o DL - Documento de Liquidação que tem a função específica de registrar contabilmente o momento e o valor da liquidação. Antes, salvo melhor juízo, era feito por meio da chamada "NL" que, em verdade, tinha múltiplas funções e servia também para registrar a liquidação.
.
3. Logo, diante dessa informação, pode-se dizer, retificando a postagem anterior relativamente à Administração Pública do Rio de Janeiro, que o momento de disponibilização das informações da liquidação deve dar-se até um dia após o registro contábil da liquidação, ou seja, até um dia após ao registro do DL.
Seguimos refletindo sobre a LC 131/09.

terça-feira, 8 de junho de 2010

LC 131/09: a disponibilização em “tempo real”e o Decreto 7.185/2010

1.Como já comentado, a LC 131/09 estabelece que a disponibilização das informações pormenorizadas da execução orçamentária e financeira deve ser em tempo real. O Decreto federal regulamentador estabelece como conceito de tempo real o seguinte:

liberação em tempo real: a disponibilização das informações, em meio eletrônico que possibilite amplo acesso público, até o primeiro dia útil subseqüente à data do registro contábil no respectivo SISTEMA, sem prejuízo do desempenho e da preservação das rotinas de segurança operacional necessários ao seu pleno funcionamento. (sic) (art. 2º, § 2º, II, Decreto nº 7.178/2010).
.
2. Caros leitores, o dito SISTEMA é aquele sobre o qual a Administração faz os seus registros contábeis orçamentários e financeiros. Não se trata de um sistema a parte do que fará a disponibilização no sítio eletrônico, mas a ele integrado. É como o define o próprio Decreto em questão (art. 2º, § 2º, I). Portanto, o tempo real será o dia seguinte ao do registro contábil feito neste sistema. O Decreto também define que deverá ser informado os valores do empenho, da liquidação e do pagamento, fazendo-nos crer que esses são os “atos” do decorrer da despesa, se considerarmos uma interpretação sistemática do artigo 7º, I e suas alíneas.
.
3. Feitas essas observações, há que se indagar se há o registro contábil correspondente à liquidação. Para o empenho e para o pagamento é induvidoso que há. Decerto que, neste momento, necessitamos do socorro dos contadores públicos. É preciso reconhecer que é difícil para os advogados interpretarem a LRF sem o auxílio dos contadores públicos. Não obstante, creio que não há registro contábil para a liquidação, mas sim para a ordem de pagamento que se realiza após a liquidação. Diante disso, pergunta-se qual o momento em que o valor correspondente à liquidação deverá ser disponibilizado no sítio eletrônico. Diante do que foi alinhado até aqui e ressalvada uma melhor reflexão, deverá ser até o dia seguinte à emissão da ordem do pagamento, que é o ato jurídico previsto pelo art. 64, da Lei 4.320/64. Trata-se do ato que se segue ao da liquidação.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O Decreto 7.185/10 e as empresas estatais

1. O Decreto 7.185/2010 dispôs que integrarão o SISTEMA todas as entidades da administração direta, as autarquias, as fundações, os fundos e as empresas estatais dependentes. Decorre desse texto regulamentar que as empresas estatais não dependentes (sociedades de economia mista e empresas públicas exploradoras de atividade econômica que não recebem recursos do ente federado para fazer face a despesas de custeio em geral e/ou de folha de pagamento) não necessitam submeter às regras da LC 131/09.
.
2. Há que se reconhecer que a interpretação dada pelo Decreto em questão é coerente com o disposto no art. 2º, § 1º e § 2º, I, "b", que estabelece o âmbito de aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e não contempla as estatais não dependentes. Ademais, o art. 48, III, da mesma Lei, com a redação dada pela LC 131/09, disciplina a disponibilização de dados relativos a atos de execução orçamentária. Tecnicamente, as referidas estatais não participam do orçamento.
.
3. Todavia, creio que o novo regime da transparência imposto pela LC 131/09 não pode ficar confinado no âmbito do sistema orçamentário. Deve ser interpretado como uma nova forma de publicidade da atividade da Administração Pública e não só do orçamento propriamente dito. Esse novo regime representa um ponto nuclear do Estado Democrático de Direito e é regido pelo Direito Administrativo. Nesse passo, embora reconheça que a tese seja polêmica, não há razão para que as atividades de direito público (excluídas, portanto, as atividades de direito privado) das entidades estatais que exploram atividade econômica fiquem de fora do alcance da LC 131/09. A sociedade não teria, por exemplo, o direito de saber, por meio dessa forma mais eficiente de publicidade, quanto gasta a petrobrás? Defendo uma resposta positiva a essa pergunta.
.
4. Isto posto, reafirmo o conteúdo proposto em postagem anterior sobre esse assunto, neste espaço eletrônico (aqui).