segunda-feira, 27 de abril de 2009

É possível a denominada motivação "aliunde" no ato administrativo eletrônico?

1. Antes de responder à indagação, é necessário lembrar que o princípio da motivação é aquele que determina que o administrador exponha no ato administrativo (inclusive naqueles relacionados aos atos bilaterais) as razões de fato e de direito de sua atuação, isto é, exponha o motivo. O fundamento jurídico do princípio se extrai da própria Constituição Federal (art. 93, X; art. 1, II e art. 70, todos da CF). Pode-se dizer que este princípio representa hoje um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Sem motivação a publicidade não se efetiva, o que prejudica ou mesmo inviabiliza o controle da atividade estatal.
2. Os administradores públicos insistem em negar flagrantemente esse princípio e deixam o cidadão sempre sem saber o que se esconde por detrás da atividade administrativa. E o Judiciário ainda é tímido na invalidação de atos viciados na motivação. Somente em casos excepcionais poderá não se motivar os atos decorrentes da função administrativa (abaixo aquela doutrina antiga e insustentável de que atos discricionários não precisam de motivação).
3. Nessa linha, vale registrar que, do ponto de vista técnico, motivar é expor o motivo com clareza, congruência, exatidão e suficiência, de maneira que viabilize o controle pelos interessados e pelos órgãos competentes. Motivar manifestando simplesmente que realizou determinado ato para atender ao interesse público é o mesmo que nada dizer. É insuficiente ou, como diz o ilustre administrativista rosarino, Rafael Bielsa: ...se não se concretizam com referência aos motivos reais do ato, não passam de mera fraseologia. Lembro também que no direito administrativo francês, quando o administrador se vale daquelas motivações que vêm prefabricadas em etiquetas, que servem para qualquer circunstância, a doutrina as chama pejorativamente de fórmulas passepartout. É o que parece que ocorre muito na Administração Pública brasileira.
4. Feita essa introdução, vamos à questão. Aliunde é um advérbio latino que quer dizer “de outro lugar”. Então, a motivação aliunde é a motivação que não está no próprio texto do ato administrativo, mas está em outro lugar. Isso acontece com frequência quando a autoridade administrativa se reporta a um parecer, laudo ou outro documento que se encontra em outra página do mesmo processo ou está juntado em outro processo. Essa motivação é perfeitamente admitida pelo direito. A propósito, ver STF: RTJ n. 78, p. 732-738.
5. É admissível que o ato eletrônico se valha desse recurso técnico-jurídico. Entretanto, a peça indicada como motivação deve estar acessível também eletronicamente, do contrário perderia sentido a motivação; tornar-se-ia inócua; não seria nem mesmo um passepartout (‘serve pra tudo’), mas um verdadeiro “passepar-rien” (‘serve pra nada’).
6. Quanto à natureza da motivação, classifico-a como pressuposto formalístico do ato (pressuposto de validade). A formalização do ato reclama a motivação. O ato sem motivação é juridicamente existente, mas inválido.