segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O legal e o moral. Do mensalão ao Brasileirão

A questão que envolve Direito e Moral é muito antiga no âmbito jurídico e está longe de ser simples.

Ultimamente, começamos a ver este tipo de reflexão realizada fora dos meios jurídicos especializados. Dois exemplos recentes: o caso do mensalão e o do Brasileirão que envolve grandes clubes.

É positiva a participação de quem não é da área jurídica na discussão. Há espaço para isso. Na verdade, creio que seja verdadeiramente necessário que os leigos passem a refletir mais sobre o fenômeno jurídico. Afinal, gostem ou não do Direito, ele está presente na vida de todos.

O que a prudência recomenda ao leigo é não basear suas argumentações em conceitos jurídicos de que não tenha adequado conhecimento.

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A coluna do Juca Kfouri de 12 de dezembro, na Folha, comenta sobre a possibilidade do Fluminense e do Vasco não se confirmarem como rebaixados. E, com “dor na alma”, acredita que os pontos devem ser retirados da Portuguesa (que passaria a ser rebaixada no lugar do Fluminense).

Mas agrega o seguinte comentário: “infelizmente nem é possível fazer o discurso do cumprimento puro e simples do que está escrito”. Uma das razões que aponta é que “o que está escrito permite interpretações as mais diversas, típicas do modelo bacharelesco e cartorial que herdamos de nossos colonizadores.” A outra razão é a falta de credibilidade da CBF e do STJD.

Se o Juca quis afirmar que o “legal” ou “jurídico” não pode ser reduzido ou equiparado ao cumprimento do que está contido em uma “lei escrita”, temos que concordar com ele. Do contrário estaríamos ainda no século XIX.

No entanto, não seria certo também abandonar o texto legal por completo para cair em um Direito livre. Cada juiz (ou cada cidadão ou cada grupo econômico) teria o seu próprio Direito. Não precisaria dizer mais nada, não é mesmo?

Essas duas posições extremas já foram pacificamente rechaçadas por reflexões maduras e sérias no âmbito da ciência e filosofia jurídicas desde o final do século passado.

Não conheço as particularidades do caso da Portuguesa e do Flamengo, mas não sei se seria tão obviamente injusto ou imoral retirar os pontos por utilização irregular de jogador em uma partida. Afinal, antes do campeonato, todos os clubes acordaram que há regras extracampo que devem ser respeitadas. É tão básico quanto democrático.

Além do mais, muitos craques de outros clubes ficaram de fora de muitas partidas importantes porque cumpriram a regra. E poderiam ter feito a diferença se jogassem, ainda que irregularmente. Seria justo ou moral com estes clubes?

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De outra parte, não podemos concordar com o Juca que a existência de interpretações jurídicas distintas decorre de uma herança lusitana maldita. A divergência nas interpretações é própria do Direito porque este utiliza a linguagem natural dos homens e não a da matemática. Não há imoralidade nessa limitação do Direito. Nem mesmo injustiça.

O que não é aceitável é a incoerência na interpretação. E isso vale também para os leigos. Não vale se esconder atrás da figura de leigo quando a discussão envolve a coerência.

No caso do mensalão isso ficou bastante evidente na participação leiga. Li comentários afirmando que a lei deveria prevalecer aos amigos e aos inimigos. Se a lei que regula o processo nos tribunais superiores não prevê e existência dos embargos infringentes, não se poderia inventar nada além da lei para privilegiar os réus. Enfim, segundo essa visão, os infringentes não poderiam ser aceitos porque assim se fazia justiça naquele momento. (obs.: pressuponho que os comentaristas não sabiam que o Congresso havia vetado no projeto de lei o artigo que, expressa e especificamente, revogaria tal recurso no STF).

Menos de dois meses depois, alguns dos mesmos comentaristas defendiam que não se podia interpretar somente a “letra fria da lei”. Havia que aplicar o seu espírito, para o caso do registro do partido REDE (Foi rejeitado porque as assinaturas não cumpriram uma formalidade legal).

Um dia, legalista, no outro, pós-positivista ou até mesmo jusnaturalista. Uma manifesta incoerência que revela pouca seriedade ou notório despreparo.

A única coerência manifesta neste caso foi a de manter-se fiel a determinado lado político.

Com esse tipo de atitude o leigo não colabora com nada. Ao contrário, desacredita a discussão jurídica e promove confusão.

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