domingo, 9 de outubro de 2016

A presunção de inocência deixou de ser proteção da liberdade individual?



As Ações Diretas de Constitucionalidade - ADCs 43 e 44 foram propostas para obter uma declaração do STF de que o art. 283 do Código de Processo Penal é constitucional.

O referido artigo garante que a prisão só pode acontecer em flagrante, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória ou nos casos de prisão temporária ou preventiva:

Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Até ontem eu achava que os incisos LVII e LXI da Constituição falavam a mesma coisa que o art. 283, do CPP, quase que literalmente:

“LVII — Ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

“LXI — Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (...)”.

A decisão do STF, por maioria (6x5), declarou a constitucionalidade do artigo 283, mas desde que se faça uma “interpretação conforme a Constituição” do artigo. 

A chamada “interpretação conforme” é um recurso usado para salvar um texto normativo que, em princípio, sua interpretação se coloca contra a Constituição. É um recurso para converter uma interpretação inconstitucional em constitucional. Portanto, tem-se um pressuposto lógico imprescindível para a utilização da “intepretação conforme”: a preexistência uma interpretação que contrarie a Constituição.

Então, o que está contra a Constituição para que seja necessário dar uma “interpretação conforme”?

A única hipótese é considerar que a vedação feita pela CF (ninguém será culpado até o trânsito em julgado...) nada tem a ver com o efeito da decretação definitiva da culpa, que é a privação da liberdade, ou seja, não se trata de proteção da liberdade.

Tomada assim a questão, o inciso LVII da CF estaria protegendo alguma outra coisa que não a liberdade individual. O que seria? Para que serviria dizer que o acusado ainda não é culpado se pode ser encarcerado caso a sentença de segundo grau se confirme?

O Ministro Gilmar disse que o sistema oferece meios de corrigir a situação se se concluir pela inocência do acusado, que foi preso após decisão de segunda instância. Com isso, segundo parece ao Ministro, fica “resolvida a questão” (??). Sem comentários.

Prefiro o entendimento anterior do Ministro, excelente constitucionalista, quando fez duras críticas a prisões arbitrárias com a invocação da Constituição como protetora das liberdades individuais.

Enfim, o STF entendeu que o art. 283 do CPP estaria em desconformidade com a CF ao não admitir, além das hipóteses que indica, a prisão decorrente de uma decisão condenatória confirmada em segunda instância.

Essa racionalidade é a confirmação de que o STF passou a entender que a presunção inocência é apenas um privilégio dos acusados e não a proteção da liberdade individual. Por isso, segundo a maioria do STF, o melhor foi flexibilizá-la porque “a comunidade quer uma resposta, e quer obtê-la com uma duração razoável do processo”.

Muitos aplaudiram. A Revista Época, por exemplo, fez uma capa em que exaltou a medida em nome do combate à corrupção. No entanto, protestou quando o juízo da 12ª Vara de Brasília determinou a quebra do sigilo telefônico de um jornalista para a identificação da fonte. Invocou tratar-se de violação de um direito fundamental.

Há duas formas de se reconhecer a importância da proteção inflexível dos direitos fundamentais: pelo entendimento, que requer abertura de espírito, humildade e superação da paixão política; e outra pelo medo, que fará com que a pessoa clame em alto e bom som: “chame o meu advogado, por favor”.

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