domingo, 17 de maio de 2009

O mundo digital é real ou devemos considerá-lo como “virtual”?

A cientista social e aluna de direito Cyntia Jorge coloca-nos uma questão interessante e especialmente intrigante quando se fala em ambiente digital. Ela relativiza o próprio real e o que poderia ser esse “outro” mundo, apontando para a necessidade de antes de discurtir o direito positivo, pensar como o direito poderá realizar-se concretamente no mundo digital. Segue o texto do comentário por ela feito a um dos primeiros textos deste blog:
Oi Marcus,
Sabe, eu fiquei pensando umas coisas a respeito dessa temática. A própria discussão do que é realidade me parece ser muito interessante... e que características estão imbricadas nessa aproximação e distanciamento do conceito infinito pela relatividade do real. Porque antes de falar de Direito, se deve pensar em como o próprio mundo jurídico estará atuando num outro ambiente... e aí sim pensar em efeitos...Acho que é também isso que você propõe, não? Muito bom!
Cyntia Jorge

Nesse tema, será que poderemos considerar o mundo digital como real? A propósito, escrevi um artigo publicado em 2004, do qual transcrevo as seguintes partes:
(...)
Nessa perspectiva costuma-se dizer que um dos objetivos da teleadministração é realizar uma Administração desmaterializada. Mas o sentido que se pretende imprimir a esta expressão é a da busca de uma Administração Pública sem documento-papel. A rigor, o dado digital é também real, do ponto de vista material. O fato de o dado digital caracterizar-se por energia e encontrar-se gravado em memória auxiliar dos computadores, não descaracteriza a sua existência concreta e, portanto, a sua materialidade.
São por essas razões que evitaremos utilizar a expressão virtual
[1], para designar os instrumentos e os objetos da teleadministração, pois, ao nosso ver, os dados digitais são concretos[2]. Hoje se deve dispensar cuidado especial para se negar a existência de algo, exatamente pelo golpe histórico sofrido pelo materialismo. Notadamente após o advento da teoria da relatividade e dos avanços da física quântica, o “nada” que se une ao “nada” pode gerar algum elemento “concreto”[3]-[4]. Talvez a derrocada do materialismo tenha sido mesmo irreversível a partir dessa nova racionalidade que espalhou os seus efeitos por todas as searas do conhecimento humano.

NOTAS
[1] A expressão virtual possui vários significados, sempre representando ou uma realidade simulada ou efêmera. Vale conferir os significados conferidos à expressão pelo KOOGAN/HOUAISS, Enciclopédia e dicionário ilustrado, 3. ed. Rio: Seifer, Delta, 1998.
[2] Para uma análise mais ampla da relação entre virtualidade, realidade e a informática, ver FORTUNY, Maria Alejandra. A virtualidade informática e o sistema financeiro: paradoxos ineludíveis da sociedade pós-moderna. In: Direito e informática. Barueri: Manole, 2004, p. 109-122; e FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. A virtulalidade. In: Direito e informática. Barueri: Manole, 2004, p. 123-154.
[3] Einstein ficou muito conhecido por sua célebre equação acerca da transformação da energia em massa material e vice-versa (PASOLINI, Piero. O futuro melhor que qualquer passado. Evolução ciência e fé. São Paulo: Cidade nova, 1983, pp. 16).
[4] Acreditou-se, por algum tempo, que os átomos dos chamados corpos simples fossem os últimos componentes materiais. Mas bem cedo – como se sabe – verificou-se que o nome de “átomo”, (isto é, indivisível) estava errado; que também os átomos são feitos da união de outras partículas ainda mais simples: os prótons, os nêutrons e os elétrons. (...) Uma coisa que muito interessa aos físicos de hoje é descobrir se as partículas que compõem o átomo são simples e irredutíveis; ou então se, ao invés, também elas são, por sua vez, compostas de elementos de graus inferiores. (...) O resultado das pesquisas realizadas com essa potência de meios [aceleradores de partículas potentíssimos] foi o aparecimento de tantas novas que confundiram as idéias dos físicos mais aguerridos.(...) Daí nasceu um novo setor da Física, a física das partículas. (...) O mundo dessas partículas, através do seu curioso modo de comportar-se, do fundo da realidade material está nos enviando uma mensagem, que não diz respeito apenas aos físicos mas também aos filósofos. São as últimas idéias sobre a composição das partículas, que estão nos revelando essa mensagem. Trata-se da teoria dos “quarks”. (...) os quarks foram concebidos como reais componentes das partículas; mas não existem isolados, e sim apenas em combinação entre si, para dar origem a cada uma das partículas. Não é possível romper uma partícula para isolar os quarks; estes não podem existir em estado individual. (PASOLINI, Piero, op. cit., pp. 15-18.) Analogicamente, talvez o dado digital possa ser considerado o quark, do ponto de vista da existência material, pois não existe de per si; depende do computador para ser lido, interpretado e ganhar existência visível aos olhos do usuário do próprio computador. Mas essa dependência de outro elemento não elimina a sua materialidade como energia registrada nas superfícies das memórias auxiliares.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prof. Marcus,

Essa sua pesquisa renderá ainda muitos frutos. Parabéns!

Caio