sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Ainda sobre o Direito e o Brasileirão

Um amigo da área jurídica – que parece não querer ser identificado – me escreveu para fazer um comentário sobre a postagem anterior deste espaço.

Com elegância e respeito, ele sugeriu a atualização da postagem. Fez referência a outro texto do blog do Juca Kfouri (aqui) – posterior ao que citei – em que o jornalista, valendo-se do artigo do advogado Carlos Embiel, mudou de opinião por causa do Estatuto do Torcedor, que é uma lei federal e que prevalece frente ao Regulamento da CBF.

Só para lembrar, o referido estatuto determina que as decisões da Justiça Desportiva devem ser publicadas em seu boletim oficial. O Regulamento da CBF não estabelece essa forma de intimação das decisões.

No caso da Portuguesa e Flamengo, as decisões que condenavam os atletas não foram publicadas como determina a Lei. Logo, em princípio, os jogadores utilizados na partida não estariam, formalmente, irregulares.

Caro amigo, não creio que a postagem anterior careça de atualização.

A nova argumentação que envolve o Estatuto do Torcedor não contradiz o que afirmei, ou seja, não creio que seja injusto aplicar a sanção a quem utiliza jogador irregularmente. O Direito impõe condições para a prática desportiva. O espírito esportivo também o exige.

A dedução que decorre dessa racionalidade é simples: se o jogador não estava impedido de ser inscrito para a partida, não há que se falar na aplicação de sanção por utilizá-lo.

Mas o que continua a chamar a minha atenção é mesmo a essência da postagem anterior: a coerência. Explico-me.

Logo quando surgiu o fato, li argumentos no sentido de que não seria justo retirar os pontos da Portuguesa e do Flamengo porque deveria pesar mais o resultado em campo que eventuais formalidades jurídicas.

E aí se instaurou, nesse primeiro momento, o debate sobre o que seria moral e o legal.

Choveram argumentos para sustentar que deveria prevalecer o resultado do jogo obtido dentro das quatro linhas, porque esse era o espírito desportivo. Houve também apelo ao bom senso e ao sentimento de justiça que devem preponderar sobre quaisquer formalidades.

No entanto, com a sobrevinda da tese do Estatuto do Torcedor, passou-se a defender a Portuguesa e o Flamengo com base no argumento da legalidade e da técnica jurídica: a lei é superior ao Regulamento da CBF, houve descumprimento de uma formalidade básica e elementar do Direito, deve ser restabelecido o Estado de Direito, entre outros.

Enfim, para alcançar o mesmo resultado final, muitos dos que condenavam as formalidades passaram, de certo modo, a defendê-las.

Aliás, no primeiro momento, o próprio Juca criticou o atendimento puro e formal às normas escritas.

No segundo texto veiculado, entretanto, em que foi agregada a questão do Estatuto do Torcedor, não pudemos ler o mesmo repúdio às formalidades. Afinal de contas, o modo de se fazer uma publicação ou intimação é, necessariamente, um tema de formalidade jurídica.

Ressalto que Juca Kfouri é um excelente jornalista e teve a coragem de mudar de opinião de forma transparente e honesta. Mas não posso deixar de anotar o aspecto que toca à coerência entre seus dois textos.

Termino recomendando a leitura do belo texto do jurista Lenio Streck sobre o tema, em que aproveita para homenagear os locutores esportivos (aqui). 

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