sexta-feira, 21 de março de 2014

A jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Direito Brasileiro. O caso do duplo grau de jurisdição.

A sujeição do Brasil à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – Parece que não há dúvidas quanto a isso. Por meio do Decreto Legislativo 89, de 03 de dezembro de 1998, o Congresso Nacional aprovou a solicitação de reconhecimento obrigatório da jurisdição a CIDH. O Decreto  n.4.463/2002 reconheceu como obrigatória e por prazo indeterminado a jurisdição daquela Corte.
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Os tratados sobre direitos humanos são normas constitucionais ou supralegais? – Os direitos humanos objeto de julgamento pela CIDH estão consignados basicamente na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1969), que foi promulgada e internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 678/1992.
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O art. 5º, § 2º, da Constituição da República assegura que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais.
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Predomina no STF o entendimento de que o tratado internacional sobre direitos humanos é considerado como norma supralegal, mas infraconstitucional (RE 466.343-1/SP).
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Vale observar que o Ministro Celso de Mello entendeu que os tratados internacionais de direitos humanos têm estatura constitucional. Mas foi voto vencido. A doutrina autorizada de Valério Mazzuoli também critica a posição do STF com argumentos bastante convincentes. De outra parte, porém, reconhece que esse entendimento do STF já significa um avanço em relação à posição anterior ainda mais conservadora (Curso de Direito Internacional Público, São Paulo, RT, 2011, pp. 375-384).
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Com a nova configuração do STF, o entendimento pode ser alterado.
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O direito de recorrer de sentenças condenatórias – A ausência do duplo grau de jurisdição foi um dos pontos questionados no processamento da AP 470 (“mensalão”).
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Segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, todo aquele considerado culpado de um delito tem o direito de recorrer da decisão ante o juiz ou tribunal superior (Art. 8, “h” - aqui). 
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A jurisprudência da CIDH enfrentou o tema detidamente no conhecido caso Barreto Leiva v. Venezuela. A única exceção admitida ao direito de recorrer seria se o Estado signatário tivesse feito ressalva com relação a este dispositivo ao firmar a Convenção. Nesse sentido, vide especialmente o parágrafo n. 86 da referida decisão.
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Como se poderia respeitar o direito de recorrer dos réus na AP 470? – Todos (inclusive os que não ocupavam cargo público) foram julgados pelo STF com base no art. 102, I, b, da Constituição, que estabelece o privilégio de foro. Considerando que é a última instância, o julgamento penal restou reduzido a uma única decisão.
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Mesmo aqueles que tiveram direito aos Embargos infringentes, o julgamento se deu pelo mesmo órgão e não por outro superior.
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Diante da situação, como respeitar o direito de recorrer dos réus sem descumprir a Constituição Federal?
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Caso se entendesse os tratados sobre direitos humanos como normas constitucionais – tese com a qual concordamos –, o problema seria menos complexo. Tal direito figuraria como parte integrante do art. 5º que elenca os direitos fundamentais. Haveria, então, tensão com o art., 102, I, b da mesma Constituição. Aplicando a ponderação de interesses, prevaleceria o art. 5º. O direito ao privilégio de foro definitivamente não é um direito fundamental. Muito ao contrário, configura uma exceção ao princípio da igualdade, um verdadeiro privilégio como o próprio termo indica. Por isso,  o direito ao privilégio de foro não tem aptidão para preponderar sobre um direito humano e fundamental.
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Considerando a posição atual do STF de entender tais tratados como normas supralegais – mas infraconstitucionais – o caminho para evitar a violação de direitos humanos seria interpretar o Código de Processo Penal, suas normas complementares e o Regimento Interno do STF à luz da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos.
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O Código de Processo Penal é explícito:  “Art. 1º O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; (...)”. Portanto, fácil é a conclusão de que o processo penal não pode tramitar em descompasso com o Pacto de São José da Costa Rica.
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O Regimento do STF, que foi recepcionado como lei formal na ordem jurídica brasileira, também não poderá contrariar qualquer tratado, afinal, os tratados são considerados, pelo menos, normas supralegais. A Lei que contrariar um tratado deverá ser considerada inválida.
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A partir de uma perspectiva de superação do positivismo legalista, mas sem desatender a Constituição da República, acredito que a solução seria remeter a AP 470 para uma Turma do STF para que julgasse em primeira instância e, posteriormente, o Pleno, em grau de recurso.
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Consequências de eventual sentença da CIDH – No caso da AP 470, o direito de recorrer não foi atendido em sua plenitude. Houve réus que sequer tiveram direito à interposição de embargos infringentes. O caso, como se viu inicialmente, pode ser objeto de apreciação pela CIDH. No caso de eventual sentença favorável aos demandantes junto à CIDH, quais seriam os efeitos no Brasil?
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Inicialmente, é preciso registrar que a CIDH não significa uma instância superior ao STF. Portanto, não haveria um novo julgamento da causa. A sentença poderá declarar a existência violação de direito humano, determinar ao Brasil (sujeito passivo) a sua restauração imediata e, se for o caso, fixar indenização ou compensação justa.
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Não é procedente o argumento de que a Corte está voltada apenas para a responsabilidade civil, como se costuma alegar até com certo desdém.
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No caso do duplo grau em análise, uma decisão CIDH que venha a declarar a violação de direitos humanos também determinaria ao Brasil que fosse refeito parte do julgamento da AP 470 de forma a dar a oportunidade ao réu de recorrer da decisão condenatória. O acórdão do STF deveria, então, ser desconstituído.
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Poder-se-ia questionar, ainda, o limite da coisa julgada. Como poderia o STF julgar novamente tendo o acórdão condenatório transitado em julgado? Como superar a cláusula pétrea dos efeitos da coisa julgada prevista pelo art. 5º, XXXVI, da Carta da República?
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Com uma nulidade deste quilate, não é possível suceder o trânsito em julgado. É a mesma racionalidade que a jurisprudência brasileira tem empregado para admitir a conhecida “querela nullitatis.” O exemplo clássico é o da ausência da citação dos proprietários de um imóvel na ação de usucapião. A qualquer tempo a sentença poderá ser desconstituída em razão da gravidade da lesão do direito. 

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