Tem sido divulgado pela
imprensa do Rio de Janeiro que o Governador do Rio declarou que alterará a Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e que isso permitirá a "demissão"
de servidores públicos, inclusive os estáveis.
A Constituição Federal já
autoriza a exoneração de servidor público por excesso de despesa no art. 169.
Mas estabelece critérios e procedimento para que as exonerações sejam
executadas. Sobre isto comentarei mais adiante.
Cuidemos, inicialmente, de
comentar o fenômeno do “excesso de despesa de pessoal”. Entende-se como tal o
descumprimento do limite fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para
os Estados, o limite vem previsto pelo art. 19, II, da LRF, que corresponde a
60% da Receita Corrente Líquida (RCL).
É necessário também
esclarecer que a RCL é apurada tendo em conta o que efetivamente ingressou no
caixa, conforme estabelece o art. 2º, § 3º da LRF (§ 3º A receita
corrente líquida será apurada somando-se as receitas ARRECADADAS no mês em referência
e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades).
Portanto, a alteração da
LDO não tem o poder de alterar a referência-limite para provocar uma situação
de exoneração por excesso de despesa. Qualquer informação veiculada que afirme
sobre a exoneração de servidores com base na LDO não possui credibilidade e,
por isso, deverá ser desconsiderada.
O limite de despesa de
pessoal fixado pela LRF é superado pelos seguintes fatores: a) aumento da
despesa de pessoal sem aumento de arrecadação; b) redução da arrecadação no
curso da execução financeira; c) ocorrência dos fatores a) e b) conjuntamente.
Mas, então, o que o governo
do Estado do Rio poderá fazer para evitar que o limite seja superado?
Com relação à receita, em
primeiro lugar, deverá vetar qualquer espécie de renúncia de receita. Por
exemplo, não poderá ser concedida isenções fiscais, salvo em casos excepcionais
em que se comprove o inequívoca atendimento ao interesse público.
As isenções fiscais
configuram renúncia de receita. Esclareça-se, que as concedidas sob a
modalidade condicionada não poderão ser revogadas a qualquer tempo, mas somente
após o atendimento da condição (Código Tributário Nacional, Art. 178 - A isenção,
salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode
ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no
inciso III do art. 104). Por exemplo, se uma isenção foi dada a determinada
indústria durante certo lapso de tempo, antes da consumação do referido lapso
temporal não será possível a revogação da isenção. Trata-se de direito
adquirido do contribuinte.
Outra medida que poderá ser
decisiva para evitar o comprometimento do limite é o aprimoramento da máquina
arrecadadora e a intensificação da cobrança da dívida ativa de forma a refletir
no aumento do ingresso de recursos em favor do erário.
Logo, caso não se adote
medidas de aumento de receita poderá repercutir negativamente com relação à
superação do referido limite.
Com relação à despesa, a
medida cabível para evitar a superação do limite é reduzir as despesas com
pessoal, que passa por vetar novas admissões e especialmente pela exoneração de
servidores. A medida que envolve a exoneração deverá respeitar o regime
previsto no art. 169 da Constituição que, em síntese, estabelece o seguinte em
caso de superação do limite da LRF com relação às despesas de pessoal:
1º - Redução em pelo menos
20% por cento das despesas com cargo em comissão e funções de confiança. O
Chefe do Executivo poderá cortar mais do que 20% por cento, se isso for
necessário.
Deve ser notado que o
dispositivo não fala em exoneração dos agentes investidos nesses cargos, mas na
redução da despesa, que poderá ocorrer tanto pela exoneração quanto pela
redução dos valores de suas remunerações, visto que tem predominado o
entendimento de que o princípio da irredutibilidade de vencimentos não se
aplica ao regime de remuneração de tais cargos.
2º - Exoneração dos servidores não estáveis. A partir de uma interpretação sistemática e responsável, se pode dizer que a exoneração dos servidores não estáveis não pode ocorrer se a redução dos valores dos cargos em comissão/função de confiança ficar no mínimo estabelecido para o corte (20%). Não seria razoável, porque militaria contra a garantia da estabilidade prevista no art. 41 da Carta da República que os não estáveis são candidatos a conquistar. Ora, os comissionados não detêm estabilidade e não a conquistarão. Por isso, exonerar um servidor concursado mesmo não estável e, ao mesmo tempo, manter agentes investidos em cargos de livre nomeação e exoneração deve ser uma excepcionalidade que requer seja motivada de modo cabal a induvidoso.
3º - Somente no caso das
duas medidas acima não lograrem reconduzir a despesa de pessoal aos limites
permitidos é que os servidores estáveis poderão ser exonerados, mediante ato
administrativo devidamente motivado.
O § 7º do art. 169 da
Constituição estabelece que lei federal disporá sobre normas gerais que
disciplinarão a perda do cargo dos servidores estáveis. A Lei federal nº
9.801/1999 é que disciplina a matéria. Segundo a Lei, o Chefe de cada poder
baixará ato administrativo normativo em que especificará diversas informações,
entre as quais, deverá explicitar o critério geral e impessoal que regerá as
perdas dos cargos de servidores estáveis, escolhidos entre os seguintes: menor
tempo de serviço público, maior remuneração ou menor idade.
O art. 3º da referida Lei,
no entanto, impõe a condição de que aqueles servidores que exerçam atividade
exclusiva de Estado, assim definida em lei, somente perderão o cargo se
atendidas as seguintes condições:
“I - somente será admitida
quando a exoneração de servidores dos demais cargos do órgão ou da unidade
administrativa objeto da redução de pessoal tenha alcançado, pelo menos, trinta
por cento do total desses cargos;
II - cada ato reduzirá em
no máximo trinta por cento o número de servidores que desenvolvam atividades
exclusivas de Estado.”
Salvo melhor juízo, ainda
não existe a lei que define o que se enquadra dentro do conceito de “atividade
exclusiva de Estado”. Essa omissão legislativa prejudica sensivelmente a
aplicação da Lei 9.801/99 como um todo.
Ora, considerando as
condições impostas pelo artigo 3º se pode deduzir que só é possível dar início
a execução dos atos de exoneração de servidores estáveis uma vez conhecidos
quais os que exercem a atividade exclusive de Estado.
Com estas breves
observações, espero ter contribuído para esclarecer acerca da situação dos
servidores do Estado do Rio de Janeiro, que passam por um delicado
momento.
* corrigido em 08/07/2016, às 14h42min
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