As Ações Diretas
de Constitucionalidade - ADCs 43 e 44 foram propostas para obter uma declaração
do STF de que o art. 283 do Código de Processo Penal é constitucional.
O referido artigo
garante que a prisão só pode acontecer em flagrante, após o trânsito em julgado
da sentença penal condenatória ou nos casos de prisão temporária ou preventiva:
“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente,
em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da
investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão
preventiva”.
Até ontem eu
achava que os incisos LVII e LXI da Constituição falavam a mesma coisa que o art.
283, do CPP, quase que literalmente:
“LVII — Ninguém será culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”.
“LXI — Ninguém será preso senão em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente
(...)”.
A decisão do STF,
por maioria (6x5), declarou a constitucionalidade do artigo 283, mas desde que
se faça uma “interpretação conforme a Constituição” do artigo.
A chamada
“interpretação conforme” é um recurso usado para salvar um texto normativo que,
em princípio, sua interpretação se coloca contra a Constituição. É um recurso
para converter uma interpretação inconstitucional em constitucional. Portanto,
tem-se um pressuposto lógico imprescindível para a utilização da “intepretação
conforme”: a preexistência uma interpretação que contrarie a Constituição.
Então, o que está
contra a Constituição para que seja necessário dar uma “interpretação
conforme”?
A única hipótese
é considerar que a vedação feita pela CF (ninguém
será culpado até o trânsito em julgado...) nada tem a ver com o efeito da decretação
definitiva da culpa, que é a privação da liberdade, ou seja, não se trata de proteção
da liberdade.
Tomada assim a
questão, o inciso LVII da CF estaria protegendo alguma outra coisa que não a liberdade
individual. O que seria? Para que serviria dizer que o acusado ainda não é
culpado se pode ser encarcerado caso a sentença de segundo grau se confirme?
O Ministro Gilmar
disse que o sistema oferece meios de corrigir a situação se se concluir pela
inocência do acusado, que foi preso após decisão de segunda instância. Com
isso, segundo parece ao Ministro, fica “resolvida a questão” (??). Sem
comentários.
Prefiro o
entendimento anterior do Ministro, excelente constitucionalista, quando fez
duras críticas a prisões arbitrárias com a invocação da Constituição como
protetora das liberdades individuais.
Enfim, o STF
entendeu que o art. 283 do CPP estaria em desconformidade com a CF ao não
admitir, além das hipóteses que indica, a prisão decorrente de uma decisão condenatória
confirmada em segunda instância.
Essa
racionalidade é a confirmação de que o STF passou a entender que a presunção
inocência é apenas um privilégio dos acusados e não a proteção da liberdade
individual. Por isso, segundo a maioria do STF, o melhor foi flexibilizá-la porque
“a comunidade quer uma resposta, e quer obtê-la com uma duração razoável do
processo”.
Muitos
aplaudiram. A Revista Época, por exemplo, fez uma capa em que exaltou a medida
em nome do combate à corrupção. No entanto, protestou quando o juízo da 12ª
Vara de Brasília determinou a quebra do sigilo telefônico de um jornalista para
a identificação da fonte. Invocou tratar-se de violação de um direito
fundamental.
Há duas formas de
se reconhecer a importância da proteção inflexível dos direitos fundamentais: pelo
entendimento, que requer abertura de espírito, humildade e superação da paixão
política; e outra pelo medo, que fará com que a pessoa clame em alto e bom som:
“chame o meu advogado, por favor”.
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