Quando
estudiosos e interessados pela ciência jurídica apontam os diversos problemas
no julgamento do impeachment, geralmente recebem, como resposta, o argumento do
"julgamento político".
Os que
utilizam este argumento batem no peito com orgulho, como se fosse a panaceia
argumentativa que salvaria a sua oculta vontade de ver um governo que detestam
(por diversos motivos, exceto um que justifique o circo em andamento) cair,
caindo também tudo o que este tipo de governo representou, em âmbito
sócio-econômico.
Mas o
argumento sobrevive a uma filtragem constitucional e lógico-semântica?
Quando
falamos em julgamento e processo, todos eles, assim como todo o ordenamento
jurídico e seus ritos, submetem-se à vontade da Constituição da República. E o
que diz a Constituição da República? Muitas coisas pertinentes ao tema, como
tentarei expor no rol exemplificativo abaixo:
1) Começo
pelo princípio constitucional da jurisdicionalidade, aplicado ao Processo
(tanto o processo penal quanto o processo administrativo sancionador). Sobre a
jurisdicionalidade, atenho-me ao seu aspecto "imparcialidade", em
especial a imparcialidade subjetiva dos julgadores (Piersack/82 e De Cuber/84,
Tribunal Europeu de Direios Humanos).
Essa
imparcialidade, em nosso ordenamento, decorre da adoção do sistema acusatório,
isolando o julgador a um papel de observador - terzietà - garantindo a sua
imparcialidade (sistema acusatório, como leciona o professor Aury Lopes Júnior,
pressupõe a titularidade da ação por parte de um acusador; contraditório e
ampla defesa; devido processo legal; presunção de inocência; exigência de
publicidade e fundamentação das decisões judiciais) e da recepção do Pacto de
San Jose da Costa Rica, com o seu artigo 8, e da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, com seu artigo X.
Como pode um
processo acontecer quando os julgadores estão claramente contaminados por
vontades políticas, inclusive com alguns já declarando o seu veredicto, antes
do término da fase de produção de provas? Que julgamento é esse em que os
julgadores, em vez da isenção, aliam-se à acusação? Voltamos à inquisição? E
aqui entra a panaceia: "trata-se de julgamento político".
Não é assim
que funciona. Esta falácia não pode se sobrepor à Constituição. É o processo
que deve se adequar aos dispositivos constitucionais e não o oposto. Não se
deve afastar a incidência das regras constitucionais pela conveniência do
momento. São garantias de todo e qualquer cidadão, incluindo aí os interlocutores
que se utilizam da panaceia
2) No
segundo ponto, aponto a absurda e flagrante violação ao princípio
constitucional do contraditório, aplicável a todo e qualquer processo, com uma
história exemplificativa: Imagine que você, na etapa da produção de provas
testemunhais (em juízo, por óbvio), depara-se com a ausência do julgador da
sala de audiências. A pessoa que deveria estar presente na produção da prova,
para analisá-la e decidir por base em todas as provas produzidas, não está
presente para ouvi-lo. Absurdo, certo? É o que aconteceu na sessão de
julgamento do processo de impeachment.
E quando
falo em contraditório, não é apenas a formalidade de ser dada a chance para a
apresentação da versão e produção da prova. Isso seria, tão somente, uma maquiagem
jurídica para dar ares de legalidade ao processo. Não afasta, de forma alguma,
o caráter golpista da trama em andamento.
O
contraditório deve ser respeitado, também, em seu aspecto material: a chance de
ser ouvido, de ter a sua versão considerada, no momento do convencimento do
julgador. A chance de influenciar no resultado do processo. Pergunto-lhes: há
alguma chance?
Que
contraditório é esse em que os julgadores ausentam-se no momento da oitiva das
testemunhas de defesa? Violação flagrante do contraditório e, por consequência,
do devido processo legal. Completamente antidemocrático. Não se sustenta a
argumentação de que é "um julgamento político" para isentar-se da
responsabilidade de observar a norma constitucional.
Por último,
prezando pela objetividade do texto, sugiro uma reflexão do ponto de vista
lógico-semântico da expressão "julgamento político.
Se é
julgamento, não pode ser político. Considerando certos elementos das acepções
da palavra "política" por Hobbes e Bertrand Russel ("obtenção de
vantagens" e "alcançar efeitos desejados"), temos uma inegável
presença de interesses subjetivos, o que leva à contaminação do
"julgamento", obrigado a respeitar princípios constitucionais de
procedibilidade, em especial a jurisdicionalidade, em seu aspecto de
imparcialidade. Trata-se de cristalina contradição. Aceitar a existência desse
termo para justificar todo e qualquer abuso é atentar contra normas
constitucionais (formais e materiais), tornando todo o processo uma farsa ainda
mais antidemocrática.
O julgamento
do impeachment é FEITO por políticos, mas estes estão submetidos à observância
dos princípios constitucionais e das normas constitucionais formais e
materiais. E não deve proceder a argumentação de que o processo seguiu as
normas constitucionais invocando os artigos que referem-se diretamente ao
impeachment, considerando que deve ser respeitada a Constituição como um todo,
inclusive o seu "animus" e os princípios implícitos, decorrente da
interpretação teleológica, e não apenas os dispositivos convenientes para os
interesses políticos.
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