terça-feira, 4 de agosto de 2015

A PEC 80 segue em debate.



Prosseguimos no debate. Transcrevo abaixo a nova manifestação do interlocutor anônimo e, em seguida, faço minhas considerações.
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Professor, os julgados apresentados pelo senhor foram anteriores ao julgamento da ADI 448/PR e não afastam as conclusões a que cheguei. E não, o sistema federal não vai ser julgado inconstitucional pois, como eu disse, as normas são diversas. Sei que o senhor as conhece, mas leia outra vez:

"Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, DIRETAMENTE OU ATRAVÉS DE ÓRGÃO VINCULADO, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo."

"Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas"

"Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções."

Veja que as normas são notadamente DIVERSAS.

Além do mais, felizmente e para o bem dos serviços jurídicos dos Estados e do DF, não fui o único a ler o julgamento da ADI 448 e dos dispositivos supracitados da forma como expus no primeiro comentário.

Tanto a AGU, quanto o PGR confrotaram as normas constitucionais e expuseram com clareza a diferença entre os sistemas da União e dos Estados e DF.

Apenas para apontar uma questão de ordem prática, peço que pense sobre uma questão: para onde iriam os advogados dessas novas carreiras após uma reforma administrativa que decidisse pela centralização dos serviços públicos, decidindo pela extinção das entidades da Administração Indireta? Seriam postos em disponibilidade? Continuariam recebendo sem trabalho a par da escassez de recursos anunciada aos quatro cantos?

Sem dispensar sua resposta, já ajudo. O constituinte originário não fez norma para ser aplicada em outro país, pelo contrário. Fez conhecedor das realidades adminsitrativas e política dos Estados que, o senhor há de convir, são bem diferentes da realidade da União. Daí, entre outros e variados motivos tão importantes ou mais, a necessidade de previsão de órgão único.

Por fim, agradeço pela deferência, e desde já peço desculpa aos possíveis beneficiários da PEC, mas a Administração tem que pautar-se pelo interesse público e não por interesse de um público que fez um concurso simplificado e com grau de remuneração muito inferior, em ingressar numa carreira sem ter observado os requisitos constitucionais para tanto
”.

Caro interlocutor anônimo,
A ADI 484/PR é, de fato, posterior à ADI 175. Em momento algum tentei dizer algo diverso.
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Mas é oportuno destacar que a manifestação do STF na ADI 484, citada pelo colega, não se configura como uma alteração da posição adotada na ADI 175. E nem poderia fazê-lo pela evidente razão de que ambas as ações se reportam a análises do art. 132 para finalidades distintas entre si e debaixo de contextos também distintos, como já havíamos destacado.
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De qualquer forma, há outras manifestações na jurisprudência que convergem para a tese que defendemos, como fizemos menção em outro momento.
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Por isso, insisto no perigo do decisionismo jurídico anticientífico que pretende extrair conclusões gerais de textos particulares veiculados em contextos diferentes um do outro. Assim, reafirmamos que o tema da representação judicial das Administrações Indiretas dos Estados ainda não foi tratado em sua integralidade pelo STF.
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Para reafirmar que o tratamento constitucional das advocacias públicas da União e do Estado é totalmente distinta, o colega anônimo ampara-se, uma vez mais, na interpretação literal dos artigos art. 131 e art. 132 da Constituição Federal.
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A interpretação literal é extremamente limitada para ser capaz de definir diferenças deste porte. Há a diferença de texto, não necessariamente de norma. Não se pode perder de vista que o texto não se confunde com a norma.
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Mas, ainda assim, ao aplicar a interpretação literal ao texto integral do art. 131 – e não só a parte que o interlocutor colocou em caixa alta – verifica-se que a representação judicial e extrajudicial feita pela AGU, e seus órgãos vinculados ou não, é da “União”. A figura jurídica da representação destina-se à pessoa jurídica. Ora, literalmente, a União é uma pessoa jurídica que não se confunde com as pessoas da Administração Indireta. Ao se cumprir a interpretação literal resultaria na imposição de que a União abrigasse órgãos jurídicos dotados de autonomia dentro da própria Administração Direta (o que, aliás, era uma situação conhecida na esfera federal antes da organização da AGU).
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O fato é que tal interpretação não seria razoável, se apreciada na perspectiva sistemática da Carta da República. O princípio da descentralização impõe algumas condições, como já comentamos em outra oportunidade.
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Por isso, acertadamente, a LC 73/93 tratou de mencionar que as autarquias e fundações federais seriam representadas pelos seus órgãos próprios (art. 17). Com isso, afastou eventuais dúvidas decorrentes da literalidade da Constituição.
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De outro lado, a expressão “unidades federadas” contida no art. 132 não pode reportar-se às pessoas jurídicas vinculadas à pessoa jurídica que responde pela própria Unidade Federada. As pessoas vinculadas da Administração Indireta não representam a Unidade Federada e não podem falar em nome dela em juízo ou fora dele. As pessoas jurídicas da Administração Indireta são apenas criadas pelo ente federado e a ele se vinculam. O criador não se confunde com a criatura.
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Ademais, o Constituinte não usou a expressão “unidades federadas” contida art. 132 em nenhum outro lugar para fazer crer que a sua interpretação literal representa o conjunto de todas as pessoas jurídicas de direito público instituídas dentro do Estado. Muito ao contrário, quando se pretende alcançar a Administração Indireta, a Constituição fez menção expressa a elas em diversos pontos.
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Por tudo isso, nem mesmo literalmente tenho condições de me alinhar ao interlocutor anônimo.
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Mas independente do raciocínio exposto, podemos fazer, a seguir, um exercício de imaginação.
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Partamos, então, da premissa de que o tratamento Constitucional do Estado e da União é distinto, tal qual defende o colega anônimo.
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Pois bem. Inspirando-se no exitoso sistema de advocacia pública federal, o Constituinte derivado resolve “alterar” o sistema estadual na Constituição. Qual seria o impedimento para tanto? Violaria a autonomia administrativa estadual? Por que razão? O Constituinte deu este tratamento para a União sem configurar violação alguma. E relembre-se que o constituinte – mesmo o derivado – não se confunde com o legislador federal que exerce a autonomia legislativa da União. Se houve tratamento assim para a União, poderá ser o mesmo feito para o Estado, por simetria.
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Também por essas razões, respeitosamente, não podemos comungar do mesmo entendimento do anônimo.
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O interlocutor também propõe uma questão de ordem prática. Pergunta se, com a “criação da nova carreira”, como ficaria se a administração indireta, a qual pertencesse agentes dessa carreira, viesse a ser extinta?
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Inicialmente, há que se reconhecer que não são todos os dias que vemos a extinção de autarquias e fundações. Trata-se de uma excepcionalidade. Mas se o interlocutor crê que a exceção deve condicionar a regra. Embarquemos no seu exercício imaginativo.
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Comecemos por advertir que não se trata propriamente de “novas carreiras”. Os advogados públicos já existem na Administração Indireta. Apenas passariam, na prática, a exercer a representação judicial das respectivas entidades.
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A resposta à indagação formulada pelo anônimo vem prevista pela própria Constituição. Com a extinção da entidade (e consequente extinção do cargo), o servidor ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional, até o seu aproveitamento em outro cargo (art. 41, § 3º). Em outras palavras, o advogado público terá o mesmo destino dos demais servidores do ente extinto. Neste ponto, não creio ser possível sustentar que a escassez de recursos tenha força para extinguir ou restringir o direito à disponibilidade de estatura constitucional.
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É bom lembrar que a PEC 80 não faz a unificação da carreira de procuradores de Estado com a dos procuradores autárquicos e fundacionais. Esse tema poderá até ser tratado no âmbito de cada Estado, tal como a LC 73/93 fez com a AGU no âmbito da União. Havendo um tratamento Estadual que unifique, a resposta poderá ser outra. Mas é importante considerar que a PEC 80 não tem esse alcance.
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No penúltimo parágrafo, o interlocutor anônimo aduz que o Constituinte originário deu tratamento diferente entre a União e os Estados por entender que são realidades distintas. E, por isso, previu a necessidade de um órgão jurídico de único para os Estados.
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É verdade que há diferenças importantes entre a União e os Estados. É um argumento sociológico que procede. No entanto, se observado os contornos do ponto de vista jurídico, a questão se altera. A Administração Pública em todos os entes federados é estruturada da mesma forma jurídica. As Administrações Públicas Indiretas são vinculadas e não subordinadas às Diretas em todos eles.
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As pessoas jurídicas que compõem a Administração Indireta se traduzem em ponto de imputação de direitos e obrigações distintos da Administração Direta. Por isso, a descentralização impõe um regime jurídico que exige a conservação da autonomia. Aliás, vários diplomas normativos reconhecem inclusive a possibilidade de conflitos entre tais pessoas. Cito o recente exemplo da Lei de Mediação (Lei 13.140/2015. Art. 32. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para: I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública;).
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O interlocutor termina sua manifestação agradecendo a deferência e declarando o seguinte: “desde já peço desculpa aos possíveis beneficiários da PEC, mas a Administração tem que pautar-se pelo interesse público e não por interesse de um público que fez um concurso simplificado e com grau de remuneração muito inferior, em ingressar numa carreira sem ter observado os requisitos constitucionais para tanto”.
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Perdoe-me, mas afirmar que a PEC 80 “não pauta pelo interesse público” é um tipo de argumento que nada diz. A verdade é que não passa de mera fraseologia, como dizia o administrativista argentino Rafael Bielsa, na media em que não se concretiza com referência aos motivos reais.
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Do mesmo modo, afirmar que a PEC, em vez do interesse público, pauta pelo interesse de um público que “fez um concurso simplificado e com grau muito inferior de remuneração” tampouco me parece convincente, pois a PEC não aumenta vencimentos, não cria cargos novos e muito menos promove a equiparação dos advogados públicos aos procuradores para efeitos remuneratórios.
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É importante destacar também que os destinatários da PEC em questão não fizeram “concurso simplificado” porque não existe esta modalidade de certame público para acesso aos cargos públicos. Há o “concurso público”. Ao que temos notícia, todos os advogados públicos das autarquias e fundações, após a Constituição vigente, foram submetidos aos concursos de provas ou provas e títulos. Portanto, creio que se mostra inverídica a manifestação do colega.
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No entanto, se (e tão-somente se) a menção a “concurso simplificado” teve a finalidade depreciativa ou de menosprezo, é de se lamentar. O argumento escaparia da área jurídica e, assim, fugiria do escopo da discussão. A resposta mais recomendada para os casos da espécie é mesmo o silêncio.
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Nessa perspectiva, confesso que sofro a tentação de discutir sobre os concursos públicos, sobre o que significa, de fato, “concursos mais exigentes” ou “menos exigentes”, sobre a presunção do saber jurídico, sobre o que significa realmente o conhecimento jurídico e também como se manifesta, na realidade, o preparo profissional para eficiente defesa do Estado.
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Mas não cederei à tentação por ser impertinente à juridicidade do caso, e que apenas pode contribuir para mais desagregação. É vital não perdermos o foco da discussão democrática, cordial e que busque os melhores caminhos para a advocacia pública como um todo, inclusive para as próprias Procuradorias Gerais.
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Por fim, quanto à frase final do interlocutor, ela não pode ser aceita. Acusa os advogados públicos da Administração Indireta de terem feito concurso cientes de que estavam descumprindo à Constituição (por ser, supostamente, único o órgão jurídico Estadual). A acusação é infeliz, pois os que interpretam a tese da unicidade de representação judicial pelas PGEs não são os donos da verdade absoluta. Não há unanimidade nem mesmo entre as Procuradorias Gerais de Estado e seus procuradores.
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Cito o exemplo do Estado do Rio de Janeiro e sua Procuradoria Geral do Estado - PGE, instituição nacionalmente conhecida inclusive pelos excelentes quadros que gera, como o Ilustre Ministro Luiz Roberto Barroso. A Lei Orgânica da PGE/RJ (LC 15/80 com suas diversas atualizações) garante, com clareza e objetividade, que a PGE não representa as pessoas jurídica da Administração Indireta e somente poderia fazê-lo por meio de convênio. Estabelece, inclusive, acréscimo remuneratório para os procuradores que, por intermédio do convênio, exercem tal atribuição na Administração Indireta:
Art. 2º (...)
(...)
§ 3º - Mediante convênios ou contratos, a critério do Procurador-Geral do Estado, poderá a Procuradoria Geral do Estado prestar consultoria jurídica e encarregar-se de atos e providências judiciais do interesse dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro, podendo, também, por ato próprio do Procurador-Geral do Estado ou por determinação do Governador do Estado, em cada caso, prestar tais serviços a entidades da Administração Indireta do Estado ou fundações por ele criadas ou mantidas, assegurados, em conseqüência, o reembolso de eventuais despesas, acréscimos remuneratórios ou prêmios por produtividade aos Procuradores que exerçam funções no âmbito da Procuradoria Geral do Estado ou em cargo pertencente ao sistema jurídico do Estado do Rio de Janeiro. (Nova redação dada pela Lei Complementar nº 111/2006)
§ 4º - Os acréscimos remuneratórios ou prêmios de produtividade, de que trata o §3º deste artigo, corresponderão a valor equivalente ao percentual de 1%(um por cento) a 5% (cinco por cento) do valor total da remuneração de Procurador do Estado de terceira categoria, a ser fixado por ato exclusivo do Procurador-Geral do Estado, caso a caso, avaliados a complexidade e o volume das ações judiciais. (Acrescentado pela Lei Complementar nº 111/2006).
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Frente a todo o exposto, se pode constatar que o debate, nestas condições e circunstâncias, já não tem muito o que avançar com o interlocutor anônimo. Fico por aqui.

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