Introdução. Voltamos ao
tema da PEC 80/2015, que estabelece a competência exclusiva dos advogados
públicos autárquicos e fundacionais para a representação e consultoria
jurídicas dos respectivos entes da Administração Indireta.
No curso dos debates acerca da PEC 80/2015,
verifica-se a insistência na tese – que acreditamos incorreta – de que as
procuradorias-gerais são as representantes judiciais exclusivas das
Administrações Públicas Diretas e Indiretas dos Estados, e que a PEC 80/2015
viola o pacto federativo.
A PEC
80/2015 e a inaplicabilidade do art. 69 da ADCT. Reafirmamos
que não há referência no texto Constitucional (art. 132) às entidades da
Administração Indireta dos Estados federados para fins de advocacia pública.
Numa perspectiva literal, histórica, sistemática ou teleológica, verifica-se
que o dispositivo trata apenas da representação da pessoa jurídica da Unidade
Federada pelos procuradores de Estado.
Invocar o art. 69 da ADCT para afirmar que a
representação estadual tanto da Administração Direta quanto dos entes da
Administração Indireta se deve a um único órgão (as procuradorias-gerais) não
nos parece apropriado e convincente. Eis o texto do artigo:
“Art. 69. Será
permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas
Procuradorias-Gerais ou Advocacia-Gerais, desde que, na data da promulgação da
Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções”.
Em primeiro lugar, o referido dispositivo se reporta
somente aos casos de Consultorias Jurídicas. Não envolvem a representação
judicial ou extrajudicial propriamente dita. Por essa razão, o referido comando
constitucional transitório não se amolda à hipótese em discussão.
O dispositivo é também inaplicável porque não envolve
a Administração Indireta. À época da promulgação da Constituição de 1988 havia
consultorias internas de distintos órgãos da Administração Direta que gozavam
de autonomia (especialmente no âmbito federal). O constituinte buscou impedir
que as consultorias de órgãos – frutos da desconcentração – atuassem com a
autonomia própria dos departamentos jurídicos de entidades personalizadas que
são o resultado da descentralização. O que se buscou foi a padronização
dentro de uma mesma pessoa jurídica.
Como se constata, a finalidade do art. 69 da ADCT
acaba por reafirmar o respeito à descentralização ao promover a necessária
correção: somente poderão atuar como departamentos jurídicos autônomos aqueles
pertencentes a pessoas jurídicas decorrentes da descentralização. Os
novos departamentos jurídicos internos da Administração Pública Direta deviam
adequar-se aos mecanismos que a desconcentração requer: subordinação ao poder
central.
Assim, o art. 69 da ADCT não serve de apoio para
justificar a exclusividade de representação judicial pretendida pelas
procuradorias-gerais, mas sim para ratificar a necessidade de autonomia dos
entes da Administração Pública Indireta que necessitam de representação
jurídica própria.
A PEC 80 e a
sua compatibilidade com a sistemática da AGU. É
interessante notar que a sistemática proposta pela PEC 80 é a mesma da
existente âmbito federal. Ao contrário do que se tem afirmado, a Constituição
Federal não deu tratamento distinto à União e aos Estados no que tange à
representação judicial das respectivas Administrações Direta e Indireta.
O art. 131 estabeleceu que é a Advocacia-Geral da
União (AGU) a que representa com exclusividade a União. Não há menção à
representação dos entes da Administração Indireta da União, tal como acontece
com referência aos Estados, no art. 132.
A conclusão de que a representação jurídica da
Administração Indireta da União é apenas vinculada à AGU – e não subordinada –
é amparada pela Constituição. Para comprovar a validade desta tese, basta
verificar que as entidades autárquicas e fundacionais da União têm
representação judicial e extrajudicial feita por suas próprias procuradorias. A
Lei Orgânica da AGU (Lei Complementar nº 73/93) é claríssima em seu Capítulo
IX, cujo título é “Dos Órgãos Vinculados”:
“Art. 17 - Aos órgãos
jurídicos das autarquias e das fundações públicas compete:
I - a sua
representação judicial e extrajudicial;
II
- as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos;
III - a
apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às
suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável
ou judicial.”
Ademais, o artigo 2º da referida LC 73/93 também é
claro ao estabelecer que as procuradorias seccionais, por exemplo, são
subordinadas diretamente ao Advogado-Geral da União (§ 1º), mas, com relação às
autarquias e fundações públicas, o § 3º apresenta, expressamente, o regime da
vinculação:
“§ 3º - As
Procuradorias e Departamentos Jurídicos das autarquias e fundações públicas são
órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União”.
Se houvesse inconstitucionalidade na PEC 80/2015
seguramente já haveria sido proposta uma ação direta de inconstitucionalidade
em face dos mencionados dispositivos da Lei Orgânica da AGU, o que não foi
feito. Em verdade, nem o será, pois a LC 73/93, em perfeita harmonia com a
Constituição, garante a autonomia dos órgãos jurídicos das autarquias e
fundações públicas federais.
Cabe esclarecer que a unificação das carreiras da AGU
levadas a efeito no âmbito infraconstitucional se voltou, exclusivamente,
para fins de garantias de isonomia de direitos funcionais, pois se tratam de
servidores públicos federais vinculados a um regime jurídico único.
É preciso destacar enfaticamente que a unificação das
carreiras da AGU não se reportou às funções de advocacia pública em si mesmas.
Estas permaneceram regidas pela LC 73/93, que estabelece a competência dos
membros dos órgãos jurídicos das autarquias e fundações públicas para
representá-las judicial e extrajudicialmente (art. 17); e regidas também pelo
Estatuto da Advocacia/OAB que exige a independência do advogado, em qualquer
circunstância.
Não obstante, a Súmula 644 do STF (DJU 09.12.2003) já
reconheceu que a capacidade de representação dos advogados públicos das
autarquias sequer necessita de apresentação de procuração, porque decorre
diretamente da ordem jurídica, de forma a reafirmar a legitimidade e a
autonomia da advocacia pública fruto da descentralização: “ao procurador
autárquico não é exigível a apresentação de instrumento de mandato para
representá-la em juízo”.
Relembre-se, por fim, que o novo
código de Processo Civil, em seu art. 75, também não deixou dúvida a respeito
das representações judiciais distintas da Administração Direta e da Indireta,
tal qual comentamos no artigo anterior publicado neste espaço.
Pelo exposto, uma vez mais se reafirma a
constitucionalidade e a necessidade da PEC 80.
A PEC
80/2015 não viola o princípio da forma federativa. Afirmar
que a advocacia pública, tal como proposta pela PEC 80, viola o pacto
federativo requer que se indique qual a regra de competência/organização
constitucional do Estado é violada. Ninguém indica e nem irá indicar, porque
inexiste violação.
A existência da advocacia pública autárquica e
fundacional com capacidade de representação dos próprios entes não compromete
as funções da Administração Direta (impropriamente chamada de “Central”) nem
prejudica a independência do ente federado no âmbito do pacto federativo, tal
como se demonstrou no artigo postado anteriormente neste espaço.
Se fosse inconstitucional a advocacia autônoma
proposta pela PEC 80/2015, seria também inconstitucional o próprio fenômeno da
descentralização, o que seria um absurdo jurídico.
Do mesmo modo, é argumento frágil afirmar que a
existência de representação exclusiva pelas procuradorias-gerais é uma forma de
prevenir litígios entre a Administração Direta e a Indireta. Ora, as
procuradorias não têm a função judicante de solucionar conflitos. Se a
detivessem, violariam o princípio constitucional da jurisdição. Ademais, os
procuradores – e qualquer outro advogado público – não têm poderes jurídicos
para evitá-los, uma vez que não se confundem com os gestores públicos que
concretamente realizam os atos de Administração.
Aliás, não se pode esquecer que os gestores não se
subordinam às opiniões dos procuradores/advogados públicos, razão pela qual os
tribunais superiores, pacificamente, entendem que a responsabilidade é
exclusiva do gestor por seus atos e não dos eventuais assessores jurídicos.
Enfim, cremos que há elementos seguros para reafirmar
que a PEC 80/2015 não padece de inconstitucionalidade. Muito ao contrário, a
proposta tem nítido fundamento republicano ao garantir a concretização, em
todas as suas dimensões, da autonomia dos entes da Administração Pública
Indireta, que são fruto da descentralização administrativa tutelada pela
Constituição da República.
O que se afigura inconstitucional é a tese de que as
procuradorias-gerais são representantes judiciais e extradjudiciais (e também
consultores) exclusivos dos entes da Administração Indireta. A interpretação
viola o princípio da descentralização administrativa, porque compromete a
autonomia de tais entes. Por essa razão, tal interpretação afronta o art. 37,
XIX, da Carta da República.
Professor, com a devida vênia, suas constatações estão dissociadas do que o Supremo tem dito sobre o assunto. Não proponho aqui que o Supremo Tribunal Federal seja o único e exclusivo intérprete da CF, não é isso, mas o fato de quem dá a palavra final ter se manifestado a respeito deveria ter um peso nas análises de quem escreve ou pesquisa sobre determinado assunto. Vide ADI 448/PR.
ResponderExcluirNo julgamento da citada ADI, o assunto sobre a unicidade de órgãos jurídicos no âmbito dos Estados e DF foi expressamente abordado, chegando-se à conclusão que qualquer função, na administração centralizada ou não, de representação judicial ou consultoria só poderia continuar sendo exercida até que os cargos responsáveis por essa atuação vagassem, impedida a realização de novos provimetos, salvo se no cargo de Procurador do Estado.
Sua análise, outra vez com a devida vênia, passa por cima desses fatos sem reportar-se a eles, o que acaba afastando a cientificidade do texto.
Ademais, e apenas para ilustrar, a própria AGU apontou em seus pareceres a difereça expressa na CF com relação àquela e as PGE´s e PGDF.