A PEC 80/2015 propõe a inclusão o art. 132-A na Constituição Federal para
estabelecer que os advogados públicos das autarquias e fundações públicas deverão, privativamente, prestar a assistência, o assessoramento e representar
judicial e extrajudicial esses entes.
A Constituição é silente a respeito da representação judicial da Administração
Pública Indireta. O que existe é o art. 132 que estabelece que a representação
judicial e as consultorias jurídicas das “unidades federadas” serão exercidas
pelos procuradores de Estado.
O referido artigo 132 vinha sendo interpretado por alguns procuradores
de Estado no sentido de que somente estes detêm, do ponto de vista
Constitucional, a exclusividade da representação não só da pessoa jurídica da
Administração Direta, como também de todos os entes da Administração Pública
indireta.
Tal entendimento, porém, não nos parece resistir à interpretação literal
e muito menos à sistemática da Constituição, razão pela qual a PEC 80/2015 é
não só útil, mas necessária para corrigir a insistência do equívoco
hermenêutico.
Em primeiro lugar, deve-se considerar que a autonomia jurídica dos entes
da Administração Pública Indireta pode ser extraída da própria Constituição
quando esta admite a criação de pessoas jurídicas distintas daquela do ente
político, nos termos do seu art. 37, inciso XIX. Trata-se de uma expressão concreta
do conhecido princípio da descentralização.
Pois bem, reconhecida a existência de personalidade jurídica de tais
entidades como distinta da do ente federado criador, é forçoso admitir – até
por uma razão lógica – que a Constituição tutela os meios necessários ao seu
exercício.
Aliás, o Decreto-Lei 200/67, que disciplina a organização da União Federal
foi recepcionado pela atual Constituição por ser com ela compatível. O seu art.
10 impõe a descentralização como regra e não exceção. Trata-se de um comando
cogente: A execução das atividades da
Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.
Não se pode esquecer que as entidades criadas por meio do fenômeno da
descentralização não são subordinadas à Administração Pública Direta, mas
apenas vinculadas a ela.
O regime jurídico da descentralização impõe à Administração Direta
limites claros e precisos com relação às Administrações Indiretas. Um desses
limites é exatamente assegurar a autonomia administrativa, operacional e
financeira dessas entidades da Administração Indireta. Veja-se, a propósito, o
artigo 26 do referido Decreto-Lei 200/67: No
que se refere à Administração Indireta, a supervisão ministerial visará a
assegurar, essencialmente: I – (...) II - (...) III – (...) IV - A autonomia administrativa,
operacional e financeira da entidade.
As razões para garantir a autonomia são um tanto óbvias. Ora, se se tratam de
sujeitos de direito distintos e autônomos ente si, poderá haver conflito de
direitos entre ambos. Logo, o patrocínio da causa de ambos os envolvidos deve
ser também distinto, sob pena de instituir um conflito insolúvel e pouco
sustentável do ponto de vista ético e deontológico.
Basta um repasse decorrente de lei ou mesmo de um convênio deixar de ser
feito pela Administração Direta em favor de uma entidade da Indireta para impor
o dever (e não mera faculdade) desta de reivindicá-lo inclusive judicialmente,
se necessário.
Frente a situações como estas, como se poderá admitir que um procurador
pertencente ao ente federado possa defender, contra este mesmo ente federado,
um direito em favor de outra pessoa jurídica? Inobstante o impedimento estatutário de advogar contra a fazenda que o remunera, esse tipo de situação nos lembra
a ratio de uma norma de natureza
penal que incrimina quem, na mesma causa, trabalha para partes contrárias. Trata-se da tergiversação prevista no art. 355, parágrafo único do Código Penal.
Mesmo não se configurando a tipicidade penal estritamente no caso, haverá a
violação ao estatuto da advocacia e da OAB, ao princípio da moralidade administrativa e da autonomia dos entes da
Administração Pública.
De outro lado, em conflitos como os citados acima é difícil crer que o
procurador de Estado possa cumprir fielmente o mandamento contido no art. 31, §
1º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados o Brasil) de
manter, em qualquer circunstância, a independência.
Portanto, as representações dos entes da Administração Pública Indireta
devem ser diferentes daquelas da Administração Direta. Ressalte-se que o novo
Código de Processo Civil não deixou mesmo dúvida sobre o tema ao estabelecer,
em seu art. 75, que os entes federados serão representados por seus
procuradores, mas que as autarquias e as fundações de direito público serão
representadas por quem a lei do ente federado indicar.
Por fim, cabe registrar que a PEC 80/2015 não cria cargos novos nem
categoria, não investe ninguém em cargo diferente, não promove equiparação remuneratória, não
aumenta despesas ou vencimentos, não reduz e nem altera competências, mas dá
dignidade à classe dos advogados públicos das Administrações Indiretas, garante
a autonomia jurídica das Administrações Pública Indiretas e consolida de
verdade a descentralização administrativa.
* Corrigido às 12h20min.
* Corrigido às 12h20min.
Prezado Professor Marcus Filgueiras: como integrante da diretoria da Associação Brasileira de Advogados Públicos - ABRAP manifestamos nossa admiração pela fundada pertinência jurídica com que foi abordada a PEC 80/2015 em seu artigo; a ABRAP vem, desde 2007, encampando essa luta para propiciar a efetivação da advocacia pública nos Estados, em vista da lacuna dos dispositivos que tratam da matéria na Constituição federal; já passaram mais de 25 anos desde a promulgação da Constituição Cidadã, mas, até o momento, somente a União conseguiu resolver sua sistematização integrando as carreiras existentes e fortalecendo a advocacia pública no seu âmbito; a abordagem da questão por um professor de Direito Administrativo vem, sem dúvida, elevar o debate em torno dos objetivos da PEC 80/2015. Cordialmente, João Gualberto Pinheiro Junior - Diretor de Comunicação e Informação da ABRAP - diretorcomunicacao@abrap.org.br
ResponderExcluirMais um excelente artigo do prezado Professor Marcus Filgueiras. De fato, a PEC 80/2015 não é inconstitucional e sua aprovação gerará inevitável fortalecimento do Sistema Jurídico dos Estados, Distrito Federal e Municípios, assim como ocorreu a nível federal com a AGU.
ResponderExcluirParabéns Professor pela sábia abordagem acerca da PEC 80/2015!
Rodrigo Lima Klem, Vice Presidente da AAPARJ - Associação dos Advogados Públicos Autárquicos do Estado do Rio de Janeiro.
Realmente, o artigo é muito preciso, coerente e bem fundamentado. Somente o interesse pelo poder descomensurado dos i. Procuradores do Estado encontra óbices à esta PEC.
ResponderExcluir