A questão
que envolve Direito e Moral é muito antiga no âmbito jurídico e está longe de
ser simples.
Ultimamente,
começamos a ver este tipo de reflexão realizada fora dos meios jurídicos
especializados. Dois exemplos recentes: o caso do mensalão e o do Brasileirão que
envolve grandes clubes.
É positiva
a participação de quem não é da área jurídica na discussão. Há espaço para
isso. Na verdade,
creio que seja verdadeiramente necessário que os leigos passem a refletir mais sobre
o fenômeno jurídico. Afinal, gostem ou não do Direito, ele está presente na
vida de todos.
O que a prudência
recomenda ao leigo é não basear suas argumentações em conceitos jurídicos de que
não tenha adequado conhecimento.
***
A coluna do
Juca Kfouri de 12 de dezembro, na Folha, comenta sobre a possibilidade do
Fluminense e do Vasco não se confirmarem como rebaixados. E, com “dor na alma”,
acredita que os pontos devem ser retirados da Portuguesa (que passaria a ser
rebaixada no lugar do Fluminense).
Mas agrega o
seguinte comentário: “infelizmente nem é possível fazer o discurso do
cumprimento puro e simples do que está escrito”. Uma das razões que aponta é
que “o que está escrito permite interpretações as mais diversas, típicas do
modelo bacharelesco e cartorial que herdamos de nossos colonizadores.” A outra
razão é a falta de credibilidade da CBF e do STJD.
Se o Juca
quis afirmar que o “legal” ou “jurídico” não pode ser reduzido ou equiparado ao
cumprimento do que está contido em uma “lei escrita”, temos que concordar com
ele. Do contrário estaríamos ainda no século XIX.
No entanto,
não seria certo também abandonar o texto legal por completo para cair em um
Direito livre. Cada juiz (ou cada cidadão ou cada grupo econômico) teria o seu
próprio Direito. Não precisaria dizer mais nada, não é mesmo?
Essas duas
posições extremas já foram pacificamente rechaçadas por reflexões maduras e
sérias no âmbito da ciência e filosofia jurídicas desde o final do século
passado.
Não conheço
as particularidades do caso da Portuguesa e do Flamengo, mas não sei se seria tão
obviamente injusto ou imoral retirar os pontos por utilização irregular de jogador
em uma partida. Afinal, antes do campeonato, todos os clubes acordaram que há
regras extracampo que devem ser respeitadas. É tão básico quanto democrático.
Além do
mais, muitos craques de outros clubes ficaram de fora de muitas partidas importantes
porque cumpriram a regra. E poderiam ter feito a diferença se jogassem, ainda
que irregularmente. Seria justo ou moral com estes clubes?
***
De outra
parte, não podemos concordar com o Juca que a existência de interpretações jurídicas
distintas decorre de uma herança lusitana maldita. A divergência nas
interpretações é própria do Direito porque este utiliza a linguagem natural dos
homens e não a da matemática. Não há imoralidade nessa limitação do Direito. Nem
mesmo injustiça.
O que não é
aceitável é a incoerência na interpretação. E isso vale também para os leigos.
Não vale se esconder atrás da figura de leigo quando a discussão envolve a
coerência.
No caso do
mensalão isso ficou bastante evidente na participação leiga. Li comentários afirmando
que a lei deveria prevalecer aos amigos e aos inimigos. Se a lei que regula o
processo nos tribunais superiores não prevê e existência dos embargos
infringentes, não se poderia inventar nada além da lei para privilegiar os réus.
Enfim, segundo essa visão, os infringentes não poderiam ser aceitos porque
assim se fazia justiça naquele momento. (obs.: pressuponho que os comentaristas
não sabiam que o Congresso havia vetado no projeto de lei o artigo que, expressa
e especificamente, revogaria tal recurso no STF).
Menos de
dois meses depois, alguns dos mesmos comentaristas defendiam que não se podia
interpretar somente a “letra fria da lei”. Havia que aplicar o seu espírito, para
o caso do registro do partido REDE (Foi rejeitado porque as assinaturas não
cumpriram uma formalidade legal).
Um dia, legalista,
no outro, pós-positivista ou até mesmo jusnaturalista. Uma manifesta incoerência
que revela pouca seriedade ou notório despreparo.
A única
coerência manifesta neste caso foi a de manter-se fiel a determinado lado
político.
Com esse tipo de atitude o leigo não colabora
com nada. Ao contrário, desacredita a discussão jurídica e promove confusão.
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